Recentemente a internet foi invadida com videos comparando os discursos do Dia Internacional da Mulher feitos pelo presidente brasileiro em exercício Michel Temer com uma outra autoridade internacional. Acredito que intenção do vídeo era mostrar as diferenças chocantes entre o machista discurso de Michel Temer e o progressivo posicionamento do primeiro ministro em comparação. O vídeo teve repercussão viral e Temer foi alvo de (merecidíssimas) críticas. Como eu tenho o habito de agir, como diria Raul Seixas, como “carpinteira do universo” tive sentimento de ambiguidade após assistir a comparação: acredito que o vídeo, mesmo com intenções inquestionáveis, possa servir para nos apontar para algumas questões que superficialmente passam despercebidas. A primeira delas é o lugar de fala e sua relação com a nossa memoria seletiva. Recentemente o Brasil - `as vozes de “vagabunda, vadia e corrupta” e forte ação midiática (inclusive expondo suas supostas preferencias sexuais - vide Revista Época) finalizou o processo de impeachment da presidenta eleita Dilma Roussef. Sob o governo de Dilma foi sancionada a lei LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015 que altera um decreto do ano de 1940, colocando o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Independente de posicionamentos políticos, seria hipocrisia da parte de todos nós nos esquecermos do avacalhamento, humilhação e ameaças de estupro coletivo e assassinato que essa mulher passou com aprovação de grande parte da população brasileira - essa mesma parte que agora chama o discurso de Temer de "gafe". O que Temer falou não foi gafe: foi consequência do silenciamento de outras vozes importantes na luta pelos direitos da mulher, dentre elas (agora pessoalmente, destaco) Dilma Roussef. Tendo um exemplo explícito e recente de posicionamento quanto as questões relacionadas a mulher em nosso país, colocar o discurso de Michel Temer em frente ao discurso de outro homem soa como colocar Gastão e Fera falando sobre a vida e os direitos de Bela. No recorte do discurso feito, não aparecem as falas confusas e posicionamentos questionáveis do primeiro ministro canadense– ainda que eu muito o admire - quando confrontado por mulheres no parlamento. Isso nos leva ao nosso velho complexo de colonizados: precisamos ouvir um homem norte americano, com ascendência europeia falar o que já se foi dito (e feito) por uma mulher no exercício da Presidência da Republica - no Brasil. Precisamos mesmo ir tão longe buscar uma comparação decente em termos do lugar da mulher? Não me entenda mal, mesmo tendo asco ao governo Temer e uma simpatia muito grande pelo alvo de sua comparação , compreendo os motivos pelos quais a diferença de posicionamento no vídeo se faz tao chocante e necessária. Não precisamos olhar muito longe do Brasil para nos chocarmos com o contraste grotesco do tratamento da mulher no Governo Temer, temos ainda na história recente um alvo excelente para comparação: uma presidenta que trouxe 1940 `a luz do século XXI. !940, vale a pena ver de novo?
2 Comentários
wadih
16/3/2017 09:24:43 am
Perspicaz e palpitante o tezto. Aliás, complexo de colonizado ou hipocrisia? Muito bom!!!
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LAURA SHECAIRA
16/3/2017 01:43:04 pm
Muito obrigada pai!!! Ótima colocação, verdade!
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AutorComo diria Alice Ruiz: Sou uma moça polida levando uma vida lascada. Brasileira, vinte sete anos e alguns grilos na sacada. |